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08/10/2019 - 10:23

AUTO DE RESISTÊNCIA

 

O Presidente Bolsonaro que, por sua origem militar e conduta no Parlamento por mais de 25 anos, sempre se caracterizou por uma forte defesa da força na repressão a delinquentes, inclusive defendo o regime militar e seu mais famoso torturador- o Cel. Brilhante Ustra, cuja atuação do DOI-CODE de SP, notório local de torturas e mortes de opositores do Regime ditatorial, onde mais de 40 pessoas foram mortas. Agora, investe contra o possível indiciamento de policiais que exorbitam de suas competências legais de combate ao crime, eliminando criminosos. São os famosos “autos de resistência”, onde o policial a conta sua versão da morte do marginal. Disse o presidente, “Vejo ativismo em alguns órgãos de Justiça e no Ministério Público, de buscar transformar auto de resistência em execução. É doloroso ver um policial, chefe de família, preso por causa disso. Muitas vezes, um policial é alçado para determinada função e vem a imprensa dizer que ele tinha 20 autos de resistência. Ele tinha que ter 50”, declarou Bolsonaro, que espera mudar a legislação com o pacote anticrime “para que a lei seja temida pelos marginais e não pelo cidadão de bem. Isso (condenação por auto de resistência) tem que deixar de acontecer. Isso é sinal de que ele (policial) trabalha, que ele faz sua parte e que ele não morreu. Ou queria que nós providenciássemos empregos para a viúva? Ninguém quer impor nada. Queremos mudar a legislação para que a lei seja temida pelos marginais e não pelo cidadão de bem. Esse é o espírito do projeto de lei e o objetivo do lançamento da propaganda”, afirmou. (G-1, 04/10) O policial, ao menos se espera, é capacitado para atuar e deve seguir protocolos de conduta, sendo um deles, o uso da arma em último e não em primeiro lugar. O auto de resistência tem amparo no artigo 292 do Código de Processo Penal, que diz: “Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderá usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”. O artigo, no entanto, não prevê quais são a regras para investigação em casos de excessos. Aí é que mora o perigo, como se diz na gíria. Ou, melhor, explicando: o policial mata um “suspeito”, alega legítima defesa e que houve resistência a prisão. A ocorrência é registrada como “auto de resistência” e as testemunhas são os próprios policiais que participaram da ação. O crime nunca ou quase nunca, na prática, será investigado. Apenas no Estado do Rio de Janeiro, vitimou 481 pessoas entre 2013 e 2014, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. No período de 2001 a 2011, o Ministério Público Estadual propôs o arquivamento 99,2% dos casos de auto de resistência neste período. Isso significa que a Justiça quase sempre acredita na versão da polícia, mesmo quando evidências mostram o contrário, em 08 de cada 10 casos. Em 2014, 42% das mortes foram registradas como autos de resistência nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, grande parte deles contra negros, pobres ou pessoas de pouca alfabetização. Em ato na Faculdade de Direito da USP, entidades sociais e especialistas apontaram: “Isso é um entulho da ditadura e continua existindo. No Rio de Janeiro foram analisados 12 mil autos de resistência e 60% deles foram execução pura e simples, muitas com tiro na nuca. Queremos que essas pessoas respondam por homicídio”, o que, infelizmente, fica só no protesto. Uma pesquisa feita pelo Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-2015), com dados oficiais, aponta que o número de negros mortos em decorrência de ações policiais para cada 100 mil habitantes em São Paulo é três vezes maior que o registrado para a população branca. Os dados revelam que 61% das vítimas da polícia no estado são negras, 97% são homens e 77% têm de 15 a 29 anos. Já os policiais envolvidos são brancos (79%), sendo 96% da Polícia Militar. Ou seja, é o racismo institucional que vem desde a colonização brasileira. A polícia, no Brasil, sempre foi seletiva, ao menos para grande parte dos seus integrantes. O Auto de resistência foi criado na ditadura a fim de justificar a prisão em flagrante de policiais autores de homicídio ou possíveis autorias, até que explicassem a ação policial; o que, como anotamos, tem conseguido ficar livre de punições pelos excessos na ação ou abordagem dos “elementos” (jargão policial) e, não, abordagem de cidadãos em possível ato delituoso. Para reduzir esse dano à vida humana, por mais culpado que possa ser o delinquente, creio, é necessário criar metas de redução da letalidade policial e investigar todos os casos de mortes em ações policiais. Além, é claro, de o Estado realmente punir seus agentes marginais, pois o policial é o Estado armado. O corporativismo, as versões unilaterais dos fatos, ao contrário do que se pensa, joga lama em toda a corporação policial, onde há servidores íntegros, moderados e competentes, que são arrastados no mesmo lamaçal dos colegas delinquentes. Um fato concreto dessa seletividade policial é a realidade que atinge diretamente os jovens de conglomerados urbanos dominados por grupos, milícias e tráfico, onde o Estado só se faz presente para ações de repressão, e provoca a inversão do ônus da prova, pois do auto de resistência, cabe a família provar que o parente é inocente. A criminalização da pobreza é clara quando os mandados de busca, genéricos ou coletivos, não especificam endereços ou pessoas e abrangem todo conglomerado urbano; aliás, defendidos até por governadores. Cidadania e dignidade da pessoa humana são valores da Constituição Federal de 1988,  indispensáveis a todas as garantias constitucionais de respeito à vida, integridade física e moral, inclusive em situações de abordagem policial, para todos. Ao legitimar o auto de resistência e transformá-lo numa excludente de ilicitude, a lei Penal brasileira colaborou mesmo que indiretamente, para a prática de ações policiais violentas e impunes, afastando-se com esse instrumento a proteção aos Direitos Humanos elementares na medida em que se defende que está é uma maneira de proteção de um bem maior- a segurança do Estado, quando deveria ser a preservação da vida. Segurança Individual (pessoa) e Segurança Social (comunidade) interagem num processo dialético, devendo o Sistema  Policial pautar-se pela tutela de ambos. Esse é o caminho de um Estado de Direito. O resto é barbárie.

 

Por: Auremacio Carvalho

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