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14/01/2021 - 10:12

A TORTURA SOBE AO PÓDIO

O presidente Bolsonaro a cada dia revela sua real personalidade, seu real caráter: psicopata e mazoquista: desprezo total pela vida humana (vide sua atuação na COVID-19), negacionista e debochando das vítimas e seus familiares: “E, daí? Todos vamos morrer um dia”) e, agora, seu deboche inaceitável contra as vítimas da tortura durante a ditadura, que ele sempre exaltou nos seus 28 anos de Deputado e sempre, anualmente, glorificou a tribuna, sempre exaltando torturadores famosos, com o Cel. Ulstra, major Curió de Serra Pelada e outros ‘heróis” de sua psicose autoritária. Ontem, ao sair do palácio da Alvorada, onde se esconde, ele  colocou em dúvida a tortura sofrida pela ex-presidente Dilma Rousseff durante a ditadura militar (1964-1985).

A apoiadores,  ele afirmou “que aguarda “até hoje” raio-x que comprovaria lesão provocada em Dilma pelos torturadores; como se naquela conjuntura, médicos pudessem socorrer torturados, a não ser, muitos deles, afirmando que o torturado podia “aguentar mais”      (Livro “Tortura Nunca Mais”). Sua fala agrediu não só a ex-presidente (independente de seus erros e acertos), mais ainda, todos os torturados e mortos no período, dos quais, 346 corpos ainda não apareceram, para continuidade da tortura aos seus familiares. Suas palavras e sua personalidade doentia e sádica: “Os caras se vitimizam o tempo todo: ‘fui perseguido’.

Teve um fato aí – esqueci o nome da pessoa, mas é só procurar na internet, vai achar com facilidade – que a Dilma foi torturada e que fraturaram a mandíbula dela. Eu disse: ‘traz o raio-x pra gente ver o calo ósseo’. E isso que eu não sou médico, hein. Até hoje estou aguardando o raio-x”. Na Ditadura, onde métodos como simulação de afogamento, encenações de fuzilamentos de presos, impedimentos de dormir por quase 24 horas, usando sons e luz, jatos de água, violações das presas, desaparecimento de seus filhos recém-nascidos, (eu mesmo tive uma colega na UnB, em 1969), que passou por essa situação, eram o dia a dia, dos DOI CODI, centros oficiais de tortura, do “porão” que tanto fascina o presidente ainda hoje. A tortura é um velho e conhecido método de extrair confissões, principalmente usado por muitos agentes do Estado, em geral, incompetentes ou despreparados tecnicamente para suas tarefas. Usa-se a famosa “pedagogia” da pancada, principalmente, para as camadas prioritárias: negros e pobres, favelados, semi-alfabetizados, como métodos necessários para conter a violência dos “perigosos”. Desde que aplicada aos outros que não nossos parentes ou amigos, mais aos marginais de todos os tipos, tais práticas são na realidade aceitas, e defendidas publicamente. É comum a pergunta quando se fala de tortura: ”mas, o que ele fez?. Como se tal procedimento pudesse ser justificado por algum erro, deslize ou crime cometido pela vítima. Segundo o art. 1º da Convenção da ONU sobre a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 10/12/84, a tortura é conceituada como:

“Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência”.

Na Ditadura-1964/85-a tortura foi método corrente contra os  opositores- “subversivos”- do regime. Aliás, em seu livro de memórias, o ex-presidente Ernesto Geisel afirma: (…) “que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter informações. (…) no tempo do governo Juscelino alguns oficiais, (…) foram mandados à Inglaterra para conhecer as técnicas do serviço de informação e contra-informação inglês. Entre o que aprenderam, havia vários procedimentos sobre tortura.”  Ou seja, coisa de “presidente” dessa República das bananas, vulgo, Brasil.

Será que o Presidente sabe, que hoje, a tortura é crime inafiançável pela CF/88 (art. 5º, inciso XLIII), mas sua repressão é fraca, apesar ainda da Lei 12.847/13 que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura? Não é um cidadão qualquer elogiando e aprovando a tortura, é o mandatário maior da Nação. Trata-se de crime próprio em que o sujeito ativo é quem detém autoridade, guarda ou poder sobre a vítima. O sujeito passivo é quem estiver sob essa relação que deve ser de dependência, não necessariamente no exercício de uma função pública. Um pai pode torturar o filho; ou alguém que detém sua guarda.(art. 1º da  nº 9.455/97- Lei da Tortura).

O que  o presidente está fazendo é apologia ao crime; crime de responsabilidade, portanto. “Bolsonaro não insulta apenas a mim, mas a milhares de vítimas da ditadura militar, torturadas e mortas, assim como aos seus parentes, muitos dos quais sequer tiveram o direito de enterrar seus entes queridos. Um sociopata, que não se sensibiliza diante da dor de outros seres humanos, não merece a confiança do povo brasileiro”, afirma Dilma em nota. Até o Dep. Lira-candidato bolsonarista à presidência da Câmara, sentiu o repúdio, condenou a tortura, pois sabe que a fala do chefe vai ser cobrada. Podemos discordar de Lula, mas ele acertou na mosca: ” O Brasil perde um pouco de sua humanidade a cada vez que Jair Bolsonaro abre a boca”. “Pense em um homem que no meio de uma onda de feminicídios debocha de um mulher presa e torturada. Esse sujeito existe e pior, preside o Brasil”, disse Santa Cruz, presidente da OAB, cujo pai desapareceu na ditadura. Será  que Sérgio Moro tem razão: “Tem presidente em Brasilia”? Compostura e dimensão do cargo são coisas que não entram na cabeça do presidente. Ele é movido pelo ID freudiano: irracionalidade; não tem superego- (autocensura). ”A questão não é ideológica ou política, não é sobre esquerda, centro ou direita.

É sobre a dignidade humana, é disso que se trata”-(Dep.Baleia Rossi). Será que o presidente vai comemorar, talvez esta semana, a marca de 200 mil mortos pela Covid? Eu não me espantaria. Afinal, são apenas “maricas” que não souberam enfrentar o vírus, como ele, atleta e acima do bem e do mal, assistido por uma estrutura hospitalar de 1º mundo, que você e eu, leitor/a, jamais teremos. Tortura: no Brasil, ainda há um longo caminho para acabar com esse mal, principalmente, o do cumprimento da lei. No respeito a CF, na defesa do povo, de sua saúde, que ele parece esqueceu após o juramento ao cargo.

 

(*) Auremácio Carvalho é Advogado.

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