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21/11/2025 - 11:17

Entre Penélope, Geisa e as redes sociais: O cuiabano Eduardo Butakka fala de arte, empreendedorismo e futuro do cinema em MT

Eduardo Butakka é um daqueles artistas que carregam o palco, os cenários e a rua dentro de si. Cuiabano, formado em Teatro pela Universidade de Brasília e em Publicidade e Propaganda pela UFMT, ele transita entre humor, crítica social e experimentações no audiovisual com a mesma naturalidade com que observa o cotidiano para criar personagens que se tornaram febre entre os mato-grossenses. Nesta entrevista exclusiva, Butakka revisita sua formação, comenta o impacto de ter sido o primeiro mato-grossense indicado ao Prêmio Multishow de Humor, aborda a responsabilidade política da arte e revela seus novos projetos — do audiovisual ao primeiro longa-metragem. Uma conversa franca, divertida e, acima de tudo, profundamente comprometida com a cultura de Mato Grosso.

 

Veja entrevista:

RDM online: Eduardo Butakka, primeiramente, você é natural de Cuiabá e tem formação em Teatro pela Universidade de Brasília e em Publicidade e Propaganda pela UFMT. Como é essa dupla formação e como foi a sua atuação como ator e humorista?

Eduardo: Comecei no teatro aos 15 anos, no ensino médio, em um grupo amador do CEFET (Escola Técnica Federal), com o Gilberto Nascer, do Grupo Pessoal do Ânima. Ele foi um divisor de águas, me ensinando não apenas a atuar, mas a apreciar a arte. “Vocês precisam sentar e ver”, dizia. Para ele, consumir arte era tão importante quanto produzi-la, pois sem referências o trabalho perde consistência.

Passei do teatro amador para o profissional, obtendo minha DRT de ator e diretor, participei de festivais e depois me formei na UNB, onde também me tornei professor de teatro. Estudei comunicação por proximidade com criatividade, dramaturgia e escrita. Hoje, a publicidade ajuda a manter minha carreira financeiramente e artisticamente, porque marketing conecta a obra artística ao público, mostrando o espetáculo antes mesmo do ingresso ser comprado.

RDM online: Você foi indicado em 2017, primeiro mato-grossense selecionado para o Prêmio Multishow de Humor. Qual foi o impacto desse reconhecimento na sua carreira e na cena de Mato Grosso?

Eduardo: Participar da seletiva com mais de 5 mil candidatos foi muito importante. Fui a Goiânia para o teste e, apesar de ir com amigos, fui o único selecionado pelo perfil que procuravam. A diretora me elogiou, mas disse: “Você é muito bom, mas está longe”. Rio disso hoje, mas era um riso nervoso — mostra nossa força, vendo artistas locais brilhando nacionalmente.

Fiquei lisonjeado, mas também sufocado com a expectativa da aprovação externa. Ser selecionado abre portas e permite contato com artistas de todo o país, como Estevam Nabote, que me ajudou depois. Mas tento não me iludir com a ideia de “precisar sair daqui”; é preciso criar oportunidades aqui mesmo.

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RDM online: Você criou personagens marcantes como Penélope e Professora Geisa. De onde vieram as inspirações? E como você faz a transição para papéis mais sérios?

Eduardo: Gilberto sempre dizia que o ator é um ladrão: rouba sem tirar da pessoa. É um gesto, um jeito de falar, um trejeito que observamos. O ator é um grande observador. Eu era muito introspectivo. Fui desenvolvendo a extroversão com o passar dos anos. E o introspectivo sabe que o mundo é mental — 99% é mental e 1% é o que você mostra.

Essas pessoas me inspiram. Professoras que tive, pessoas que conheci. É um Frankenstein de personalidades. Recebo mensagens dizendo: “Você está imitando a professora tal do colégio tal?”. Muitas vezes nunca estudei lá, mas meu objetivo é esse, acessar a memória do público.

 

RDM online: Seus personagens têm um fundo crítico. É proposital?

Eduardo: Não dá para separar obra e artista. Os personagens são pedaços de mim. Uso eles para manifestar meu pensamento político, ideológico, social. Não acredito em arte que não seja verdadeira. Meu papel é de cronista do meu tempo. Se não falar sobre política e sociedade, minha arte vira superficial, estereotipada, riso fácil. E se essa é minha arma, vou usar.

 

À esquerda, Thiago Mourão e à direita Eduardo Butakka. Foto: Arquivo Pessoal

 

RDM online: Tem alguém da cultura cuiabana que te inspira?

Eduardo: Muitos. Thiago Mourão, começamos juntos no teatro e me ajudou muito como ele conduz o trabalho dele. Eu tinha um receio de ter essa exposição nas redes sociais porque eu sou um artista do palco e ele me ajudou a melhorar várias âmbitos da minha carreira.

O Nico e Lau, acho muito bacana como eles conseguem ter uma arte sustentável e permanecer tantos anos falando da cultura e dos costumes cuiabanos e o André de Luca, e principalmente o Liu Arruda. Eu imitava o Arruda na escola. O cuiabano é escrachado — quem vem de fora pode achar ofensivo, mas não é. É espontâneo, é pureza. Nossa cuiabania está na linguagem, não só no piqui e no pacu seco.

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RDM online: Você já se destacou no audiovisual, premiado nos EUA e Índia, e ganhou prêmio de melhor ator em 2022. Como foi essa transição?

Eduardo: Ainda sofro com isso. Palco e tela são mundos diferentes. Comecei a gravar vídeos para divulgar shows, e isso virou transmídia. O teatro é ambiente controlado; a internet é terra de ninguém.

No curta “Celeste”, gravado na pandemia, ganhei meu primeiro prêmio de ator, em Nova York. Foi uma chancela.

 

RDM online: Ser artista em Mato Grosso ainda é difícil?

Eduardo: Muito. Mato Grosso é leão para o agro, mas gatinho para a cultura. Somos o maior produtor de grãos, mas por que não sermos também referência em investimento cultural? Temos capacidade de ter cidade cenográfica, atrair produções nacionais. Audiovisual emprega mais que setor têxtil e automobilístico. Cultura gera renda, emprego, autoestima, diminui violência, forma jovens.

Precisamos cuidar da criança antes que chegue ao crime. Cultura e educação são o caminho.

 

RDM online: Nas suas apresentações, você fala de experiências regionais. Como equilibra humor local com o nacional?

Eduardo: Não separo. O que me toca, eu falo. Não caio em temas polêmicos só porque a internet está falando. Meu processo é fluido.

 

RDM online: Você é empreendedor, diretor e ator. Qual papel te dá mais satisfação?

Eduardo: Dramaturgo. Gosto de escrever. O teatro concretiza a ideia no palco, mas escrever é o que mais me completa.

 

RDM online: Quais projetos você está fomentando hoje?

Eduardo: Tenho o projeto “Sem Contexto”, selecionado para o Mercado das Indústrias Culturais. Vamos produzir vídeos de humor sob demanda para pequenos negócios, com banco de talentos de atores e roteiristas.

A médio prazo, estou focando no cinema. Com Thiago Mourão, estamos buscando financiamento para nosso primeiro longa: “Condomínio”, sobre um prédio de classe média cujo cotidiano muda quando um morador de rua acampa na porta. Com humor, discutimos classe, preconceito e a hipocrisia de empurrar problemas para baixo do tapete.

 

RDM online: Qual mensagem você deixa para quem quer ser ator em Mato Grosso?

Eduardo: Estudem. Procurem grupos de teatro, procurem diversidade. Arte não é homogênea. Consumam arte, teatro, música, artistas locais. Saiba o que tem no seu bairro, na sua comunidade. É por aí.

 

Foto: Arquivo Pessoal

 

Nico e Lau com a personagem Penélope Foto: Arquivo Pessoal
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