- Cuiabá
- TERÇA-FEIRA, 1 , JULHO 2025
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Você gosta de perder? Obviamente que não. Ninguém gosta de perder, porque é inerente à natureza humana querer ganhar. Mas, perder faz parte da vida, principalmente quando a palavra “perda” é usada para falar das mudanças necessárias ao desenvolvimento da vida. Perdemos o útero materno ao nascer e perdemos a realidade desta vida ao morrer, e, nesse meio tempo onde nossa vida acontece, vivemos de perdas que nos levam a dar novos passos nas relações humanas e nas experiências vividas.
A vida começa com a perda de um ambiente agradável e seguro, ou seja, o ventre materno. De repente tudo muda: chegamos ao mundo indefesos, chorando, e ficamos completamente dependentes da nossa mãe que nos protege e nos alimenta. Essa dependência materna é tamanha, que no início não sabemos nos distinguir dela. Muitos de nós atingimos a maioridade, constituímos famílias, exercemos profissões, e ainda continuamos precisando da mãe. Mas, bem cedo na vida aprendemos que precisamos perder, desistir e abandonar, para sermos seres à parte. Quando adquirimos a consciência de que somos pessoas e que temos um “eu” distinto, percebemos também que nossa mãe vai nos abandonando. Ela anda cada vez mais adiante de nós até que desaparece e temos que seguir a vida depois dessa perda tão essencial para que possamos desenvolver, crescer e viver a nossa vida.
A relação com a mãe ou seu substituto é tão importante, que todas as nossas experiências de perdas na vida relacionam-se com esse primeiro rompimento, que talvez tenha sido a renúncia mais difícil. E, conquanto não lembremos, jamais esquecemos desse tempo paradisíaco. Conscientes ou inconscientemente, tentamos restaurar aquela conexão. Isso pode acontecer de modo saudável ou doentio. Tentamos resolver aquela separação das mais variadas maneiras, através da religião, do sexo, da arte, das drogas, do dinheiro, até mesmo da boa forma física. Às vezes temos a sensação ilusória que voltamos às origens para logo concluir que continuamos buscando reatar uma espécie de perda essencial que não sabemos onde, como, e quando aconteceu. E assim seguimos, perdendo e ganhando.
Mas, se é real o desejo de manter a conexão original, é igualmente verdade que desejamos nos soltar, correr para a vida, perder sempre, para sempre ganhar, porque é assim que a vida acontece em todas as suas fases. Essa iniciativa é nossa, sair do colo, engatinhar, ficar de pé, andar até à porta, atravessar a rua e sair para a escola, o trabalho, o casamento, e se possível ir para o outro lado do mundo. Enquanto isso, vamos experimentando perdas necessárias para que possamos continuar como pessoas maduras e saudáveis.
Quando éramos meninos, falávamos como meninos, sentíamos como meninos, pensávamos como meninos; quando chegamos a ser adultos, desistimos das coisas próprias de meninos, visto que, no processo de desenvolvimento da vida, ganhamos a consciência de quem somos, do que fomos e do que poderemos vir a ser. Essa é a percepção da psicanálise quanto a nossa estrutura mental: os desejos infantis voltados para o prazer que nunca se satisfaz e que perduram na vida, o autoconhecimento que é a consciência de nós mesmos, sede da memória e do pensamento, e, nossos valores, princípios norteadores que nos brecam e orientam. Quando esse nível de desenvolvimento começa a se configurar em nossas vidas no final da infância e na pré-adolescência, podemos demonstrar boa parte da identidade individual por causa dos rompimentos (perdas) experimentados nos primeiros anos na vida.
Paradoxalmente vivemos em busca de aproximação e ao mesmo tempo queremos distanciamento. Nascemos completamente dependentes mas só crescemos à medida que assumimos uma identidade própria. A mãe não precisa ser tudo o tempo todo para o filho. Nas palavras de Winnicott, ela precisa apenas ser “suficientemente boa”. Assim sendo, ela estará fazendo o bastante para que sua criança aprenda a andar com as próprias pernas. O rompimento do cordão umbilical e a perda da onipresença materna fazem com que desejos, fantasias, e sonhos da criança se confirmem, se desenvolvam e amadureçam.
A vida oscila entre a união e a separação (perda), nos fazendo muitas vezes culpados e conscientes de que nunca estamos plenamente seguros e livres, além de termos que assumir a responsabilidade pela própria vida, instigados por desejos que muitas vezes parecem mais fortes que a vontade consciente, e normas internas e externas que querem nos regular. Isso acontece na dinâmica da vida onde as fases do desenvolvimento vão passando, as perdas vão acontecendo e as implicações das mesmas vão nos mobilizando, ora nos fazendo entender o quanto estamos ligados às perdas passadas e o quanto elas influenciam na vida presente.
Para crescer faz-se necessário perder o mundo utópico da infância, sabedores que muitos daqueles sonhos jamais poderão acontecer. O que nos é possível alcançar acontece dentro de uma realidade com limites, onde não podemos como outrora parecia podermos. Perdemos pessoas amadas, por mudanças geográficas, relações interrompidas e pela morte. Também não demora para experimentarmos que as relações são imperfeitas, que nada parece ser o bastante, levando-nos a querer de volta a simbiose original com a mãe. Mas, sabendo que isso jamais poderá acontecer, tentamos na maioria das vezes inconscientemente reatar esse vínculo nas amizades, no casamento, nos filhos, e nas relações interpessoais.
É no casamento e na família que possivelmente acontecem grandes perdas; onde muitas expectativas são frustradas e onde temos de aprender, às vezes a duras penas, que as relações entre as pessoas, inclusive entre as que mais amamos, são imperfeitas. Levamos para o casamento muitas expectativas que não se cumprem ou não acontecem como idealizadas. Podem ser projeções e substituições, como por exemplo, o homem que casa desejando encontrar na esposa uma mãe que cuide dele, ou a mulher que casa com um homem que tem os seus grandes defeitos, para que ela não tenha que assumi-los, e sim ele. As experiências de perdas na família também se manifestam na criação dos filhos, com o desejo de protegê-los de qualquer perigo e ter que admitir que existem limites que fogem ao nosso controle e que muitas das nossas melhores expectativas acabam sendo frustradas ou inconclusas.
As perdas que temos ao longo da vida são necessárias. É preciso desapegar-se para apegar-se ao novo que vem pela frente. Se não aprendemos a lidar com as perdas, poderemos nos tornar vítimas da vida que culpam os outros e nunca se satisfazem. Esse não parece ser um estilo saudável de viver. O tempo passa e com ele também passamos, envelhecemos e morremos. Os amores mais sinceros e as relações mais saudáveis não escapam das perdas; se não acontecer por outros motivos, será pela morte. Antes que ela chegue, chegam as rugas, as limitações da idade, a perda da beleza e o vigor outrora tão apreciado. Mas, mesmo na velhice, é possível mudar, com aceitação ou renovação proporcionais à realidade.
Antonio Francisco da Silva
Psicólogo Clínico – CRP 18/04702