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23/12/2020 - 10:12

UM BARCO À DERIVA?

IRACEMA, o grande romance de José de Alencar, enfoca a trajetória da heroína- dos “lábios de mel” – índia da tribo dos tabajaras, filha de Araquém, velho pajé; que era uma espécie de vestal- no sentido de ter a sua virgindade consagrada à divindade- por guardar o segredo de Jurema (bebida mágica utilizada nos rituais religiosos); anagrama de América. O romance termina com a morte da heroína e a dor de seu amado- Martin: “As jandaias cantavam ainda no olho do coqueiro; mas não repetiam já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a terra.”  Max Weber, sociólogo alemão, afirma: “A essência de toda política […] é a luta, a conquista de aliados e de um séquito voluntário”. Weber acescenta que a razão de ser da política é a luta pelo poder. ”Quem pratica política, reclama poder”. O objetivo de toda a associação política, como o Estado e os partidos modernos, é a busca e a manutenção do poder. Essa análise weberiana da política facilita a compreensão da atual crise brasileira. Há uma disputa política e ideológica – nem sempre com mãos limpas- em torno do poder no Brasil e, inevitavelmente, as partes envolvidas buscam formar alianças, coalizões para encaminhar suas aspirações, nem sempre “republicanas”. Há dois grandes interesses em jogo estruturando as ações de coalizão, um político e outro de política econômica. O interesse político separa os favoráveis e os contrários à continuidade do mandato de Dilma, seja por impeachment ou renúncia. O interesse de política econômica divide as forças pró e contra a austeridade, cujas medidas mais recentes para equilibrar o orçamento de 2016- busca da CPMF, principalmente, dependem de aprovação no Congresso Nacional e pode contrariar interesses do grande capital especulativo (vide o dólar a R$ 4,00). A crise aumenta tanto a identificação entre política e economia como ainda a fragmentação e o oportunismo políticos. Dois grupos se digladiam: o “Movimento Parlamentar Pró-Impeachment” e a “Declaração em Defesa da Democracia e do Mandato Popular”.  A exigência de maioria qualificada de dois terços dos votos dos deputados federais para aprovar a abertura do processo de impeachment (342 deputados), número superior aos três quintos necessários para a aprovação de emendas constitucionais (302), torna a empreitada da oposição difícil, principalmente, com as recentes negociações de ministérios e cargos em troca de fidelidade para barrar o processo. O Executivo perdeu totalmente o poder de governabilidade e, grande parcela do apoio do legislativo; a sociedade reprova o governo Dilma (8% de apoio), por implementar um programa oposto ao discurso eleitoral e pelo envolvimento de forças governistas com a corrupção, tema que a grande mídia aborda diariamente -(Petrolão). A crise política atual é de legitimidade e, não de legalidade. Portanto, se resolve no âmbito político-congressual-(processo de impeachment) e, não necessariamente, judicial. A possível reprovação das contas de 2014 (“pedaladas fiscais”) pelo TCU, pode dar um empurrão no processo. A votação recente do Congresso mantendo 26 dos 32 vetos, deu uma sobrevida ao Governo, um “balão de oxigênio” a um doente quase terminal. Independentemente do desfecho do carma político do governo Dilma, um dos principais problemas em jogo na situação atual é a viabilidade de um sonhado projeto de esquerda para o Brasil. O historiador inglês e brazilianista Leslie Bethel, em palestra recente no Latin American Centre, na Inglaterra, avaliou que, ao longo da história do Brasil, a esquerda sempre foi fraca, enfrentou ilegalidade, repressão, cooptação pelo Estado etc, mas que isso mudou com o surgimento do PT e com a vitória de Lula, em 2002, a maior conquista da esquerda latino-americana desde que Allende venceu as eleições no Chile em 1970, encabeçando a Unidade Popular, também, uma coalizão de esquerda. Para Bethel, o Brasil precisa de um forte partido de esquerda e a situação atual do PT está abaixo da crítica, argumenta. Mas, o sonho desabou com o envolvimento de lideranças do Partido nos escândalos do Mensalão e do Petrolão (e outros, que se anunciam nas investigações policiais). Estamos, atualmente, sem referenciais de liderança política, pois todos – situação ou oposição, neutros ou oportunistas- buscam manter ou expandir sua influência sobre o aparelho do Estado, e não em buscar o bem estar da nação, combalida e desamparada. Não há estadistas, mas políticos de plantão. A Presidente Dilma não foge à regra: o importante agora é “segurar a cadeira de presidente”, por isso, a cada dia, a tão divulgada reforma administrativa se esvazia, dadas as resistências em mexer na ineficiente estrutura federal e, principalmente, “deixar na chuva” (Lula sobre o filho de Jader Barbalho), os “aliados”. “É melhor perder ministérios do que a presidência”- disse o criador da sua hoje irreconhecível criatura. A economia e redução de órgãos e ministérios, provavelmente, será “para inglês ver” ou seja, mudar para continuar tudo como está. Será que o barco presidencial está à deriva? Vamos confirmar Iracema: ” Tudo passa sobre a terra”? Pela  postura e falas da Presidente, não parece que ela tenha “lábios de mel”… a “caneta”, sim, parece estar açucarada….É esperar prá ver, prezado/a leitor/a.

(*) Auremácio Carvalho é sociólogo e Advogado.

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