- Cuiabá
- QUINTA-FEIRA, 18 , SETEMBRO 2025
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O STF, nossa mais alta Corte de Justiça, em recente
decisão, julgou constitucional a atuação dos governos estaduais e locais em impor
restrições à realização de cerimônias e cultos religiosos presenciais. Em outras palavras,
não somente podem os governantes locais determinar restrições de número de
participantes às cerimônias cultuais, como, até interditar os templos ou locais onde
estejam sendo realizadas. Portanto, são atos respaldados pela Carta Magna, assim
entende a nossa Corte Suprema. Um fato que tem se acentuado nos últimos tempos no
Brasil e mais fortemente nesse início de século XXI, é a espantosa proliferação de
decisões judiciais nos mais corriqueiros fatos da vida comum das pessoas e não apenas
por provocações do Congresso Nacional ou outros atores, que se omitem de resolver
questões que lhe são próprias, para evitar desgastes junto à opinião pública e remetem o
“abacaxi” para o STF descascar. Assim, questões corriqueiras da vida do cidadão
comum, terminam desaguando no caudaloso- e nem sempre límpido- rio ou oceano dos
tribunais superiores: “devo me vacinar?; posso educar meu filho? Posso frequentar uma
igreja? e outros temas “complexos” da vida, que o bom senso resolveria. Sem contar no
grave problema do Congresso Nacional, de como burlar a CF/88 ignorando a proibição
de reeleição de membro da mesa do Senado para o mandato imediato ao vencido, no
mesmo cargo. Felizmente, o STF barrou a pretensão. Assim, o volume de feitos a julgar
no STF alcança mais de 130 mil ações diversas anuais.A titulo de comparação, a
Suprema Corte Americana não ultrapassa 200 casos anuais; pois, lá somente vai a
julgamento casos de grande repercussão, e os ministro acatam ou não as demandas. No
Brasil, nossos ministros doSTF são, na verdade, máquinas de julgar; cada qual, com 30
mil ou mais processos a considerar anualmente. Somos uma cultura dos litígios; é um
esporte nacional; fofocas, fake news, briga de vizinhos, tudo vale nesse campeonato.
Fala-se em ativismo judicial, mas, na verdade, trata-se de omissão dos demais poderes-
Executivo e Legislativo em tratar de temas que lhe dizem respeito, como políticas
públicas, saúde, educação, etc. Porque razão- jurídica ou lógica, é competência do STF
tratar dos assuntos da pandemia/Covid19 e não, da União, Estados e Municípios?
Comprar ou não vacinas, equipamentos médicos, medidas administrativas e restrições,
não seriam do âmbito do Executivo em suas três esferas de atuação? Isto leva, a que os
tribunais superiores tomem decisões administrativas e até legislem substituindo o Poder
Legislativo, ou suprindo a omissão- muitas vezes, dolosa, do Executivo. Assim, a
separação de poderes, dada pela CF, é ignorada e ultrapassada pela atuação judicial, às
vezes, para isto provocada pelos demais poderes da federação, que querem deixar ao
judiciário o ônus do desgaste público, de decisão que sabem, poderia desgasta-lo ou
ferir os brios de suas “bases” eleitorais de apoio. Assim, a interpretação do Direito se
torna fluida e ao sabor de contigências de momento, ou atendendo a pressões de
segmentos políticos e sociais relevantes, pelo domínio ou manipulação da mídia, redes
sociais ou grupos específicos (religiosos, por exemplo). O Direito tem se feito valer, nos
últimos tempos, não pelo seu poder de coerção da norma legal, mas, pelo controle de
símbolos ou ideologias do dia- políticas, religiosas, ou outras, que buscam representar a
vida social e por elas decidir. A cidadania é anulada, o cidadão comum é subjugado por
um novo big brother- novo grande irmão, protetor dos desvalidos. Desse modo, a
democracia é o espaço para a judicialização da vida comum, por aqueles que a sabem
manipular para alcançar seus próprios- e muitas vezes, inconfessáveis, interesses. O
STF, nesses casos, se torna não o guardião da Carta Magna, mas o defensor de
interesses de elites e grupos de pressão poderosos, através de decisões que fogem ao
texto constitucional para abraçar novas “interpretações” e leituras da Carta, por
exemplo, ensino religioso nas escolas públicas, com o STF permitindo a catequese de
alunos nas escolas públicas, ignorando a separação Igreja-Estado e o caráter facultativo
de tal ensino ou disciplina. Alguns observadores condenam essas práticas, pois tais
assuntos saem da esfera legislativa, para o crivo judicial, ou seja, saindo do escrutínio
de parlamentares, para o voto ou votos de um colegiado restrito e não eleito. A
judicialização da política, da economia, ou da vida comum, como vimos assistindo, não
é ação isolada do judiciário, mas, ao contrário, parece indicar uma ação coordenada ente
os diversos atores políticos e sociais da vida brasileira, em busca, como dissemos, de
interesses bem definidos a cada um. Tanto as oposições veem o judiciário como canal
para frustar ações governamentais, como o governo age para manter decretos ou leis que
sabe inconstitucionais-das armas, por exemplo. Do mesmo modo, grupos socais
diversos na manutenção de privilégios ou isenções que são comuns a todos, como no
caso, da taxação de lucros das igrejas. Assim, a decisão das Cortes Superiores, tem
grande impacto não só vida política e econômica do país, mas na vida comum do
cidadão que, ao final, paga a conta da decisão, via novas taxações ou aumento de
impostos, ou restrição de direitos fundamentais. O judiciário assim, aparece como um
poder político, novo ator não eleito, sobrepujando o legislativo e executivo, e impondo
uma nova visão ou regra nacional, que vai, em muitos casos, enfraquecer a atuação
destes, sua independência ou legitimidade, com impacto até em políticas públicas que
vão atingir os cidadãos, alheios a esta briga de gigantes. Essa crescente judicialização
não só da política, mas da nossa vida comum, é salutar? Esse ativismo judicial traz
benefícios à democracia e nossa vida social e comunitária? Sim e não. Sim, se seus
efeitos contribuírem para a melhor da qualidade de vida dos cidadãos, para melhores
políticas públicas necessárias ao aumento da renda e emprego, liberdades de opinião.
Não, como assistimos hoje, quando tais decisões cerceiam e cassam direitos
fundamentais, criam confusão política nas esferas de poder e ação da União, Estados e
Municípios, e suscitam novas demandas judiciais. É um aspecto complexo, pois não se
restringe apenas as altas esferas políticas e de grupos organizados, mas, alcança o
homem comum, muitas vezes indiferente ou desconhecedor desses embates que o
alcançarão, sem dúvida. A Magna Carta precisa vigorar, efetivamente, para todos.
Auremácio Carvalho