- Cuiabá
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– setembro 29, 2025
Os Estados Unidos como o país da sociedade civil
Durante onze dias, entre 2 e 13 de agosto de 2025, estive nos Estados Unidos visitando quatro regiões metropolitanas: Miami, Austin, Houston e Dallas. Essa jornada foi mais do que uma simples viagem. Foi uma imersão profunda na cultura americana, especialmente naquilo que considero seu traço mais marcante: a força da sociedade civil.
Ao escolher o nome “Viagem à América” para esta série de reflexões, fui inevitavelmente remetido à obra clássica de Alexis de Tocqueville, pensador francês que, no século XIX, visitou os Estados Unidos e registrou suas impressões em Democracy in America. Tocqueville ficou impressionado com o vigor da sociedade americana, com sua capacidade de organização e com o papel ativo que os cidadãos desempenhavam na construção da vida pública. Guardadas as devidas proporções — afinal, sou um teólogo brasileiro e não um filósofo francês —, minha intenção foi também olhar para além da superfície da viagem e transformar essa experiência em reflexão.
O que mais me chamou atenção foi o senso de responsabilidade comunitária que permeia a cultura americana. Em situações de calamidade pública ou problemas locais, há uma resposta imediata da própria comunidade. Não se espera uma solução estatal ou hierárquica. Existe uma cultura de iniciativa individual e, ao mesmo tempo, um cuidado mútuo que revela um pacto social profundo. É como se cada cidadão dissesse: “Esse problema é nosso, vamos resolvê-lo juntos.”
Essa postura está presente em diversos aspectos da vida cotidiana. A maneira como os americanos recebem novos membros na comunidade, como se apoiam mutuamente, como se organizam para proteger uns aos outros — tudo isso revela uma sociedade civil forte, viva e atuante. E esse traço não está dissociado da fé. A cultura americana, majoritariamente protestante, carrega em seu DNA uma ética de serviço, generosidade e responsabilidade que molda a vida comunitária.
Ao conversar com irmãos que hoje vivem nos Estados Unidos — muitos deles jovens que pastoreei há cerca de quinze anos em Cuiabá — ouvi relatos que reforçam essa percepção. Eles me disseram que, antes de alguém ser reconhecido por sua função (pastor, empresário, trabalhador), ele é avaliado por quem é na comunidade. Se é confiável, se é solidário, se é alguém que contribui para o bem comum. Isso influencia até mesmo aspectos práticos da vida, como admissão em universidades, oportunidades de emprego e acesso a crédito bancário. Projetos sociais, envolvimento comunitário e ações voluntárias são valorizados como expressão de caráter e compromisso.
Essa cultura revela o que o filósofo neocalvinista holandês Roel Kuiper chama de capital moral — a percepção de que há valor nos vínculos comunitários e que, além de um contrato social, existe um verdadeiro pacto social. Kuiper argumenta que o capital moral é o tecido invisível que sustenta a sociedade, formado por confiança, responsabilidade e compromisso mútuo. É esse capital que permite que comunidades prosperem, não apenas por estruturas formais, mas por relações vivas e significativas.
Nos Estados Unidos, há uma clara valorização da sociedade civil como protagonista da transformação social. Diferente da cultura brasileira, onde muitas vezes esperamos soluções vindas do Estado, da igreja institucional ou de estruturas superiores, o americano médio olha para si e para sua comunidade como agentes da mudança.
Não se trata de um individualismo frio, mas de um senso de pertencimento que responsabiliza o indivíduo pelo bem coletivo. É uma cultura que pergunta primeiro: “Quem é essa pessoa para a nossa comunidade?” antes de perguntar “O que ela faz?”. E isso, para mim, é uma das maiores riquezas da sociedade americana.
Essa foi a primeira de três reflexões que compartilho nesta série. Nos próximos textos, abordarei o cenário das igrejas no Texas e, por fim, a cultura de qualidade de vida, empreendedorismo e generosidade radical que também me marcaram profundamente.
Manoel Gonçalves Delgado Júnior é teólogo, ministro religioso e líder cristão, doutor em Teologia pelo Seminário Servo de Cristo e diretor do Instituto Bíblico Presbiteriano Rev. Augusto Araújo (IBAA). Autor de livros nas áreas de teologia prática e espiritualidade, atua como professor em instituições teológicas e conferencista em eventos nacionais e internacionais.